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Entrevista MBigucci News – Ives Gandra: jurista, poeta e carateca

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Foi ele o autor do primeiro parecer jurídico pedindo o impeachment de Dilma

Formado pela Faculdade de Direito do Largo São Francisco da USP e Doutor em Direito pelo Mackenzie, além de dezenas de outros títulos na área acadêmica, o advogado e tributarista Ives Gandra da Silva Martins é um dos juristas mais respeitados do Brasil. Foi ele o autor do primeiro parecer jurídico pedindo o impeachment de Dilma Rousseff, por improbidade administrativa.

Sua brilhante carreira foi trilhada na área da Justiça, mas, justiça seja feita também a um outro lado de Gandra, o de poeta, esportista e apaixonado.

Aos 81 anos de idade, é casado há 57 com Ruth Vidal Silva Martins, sua musa inspiradora de grande parte de suas poesias. Pai do ministro do TST, Ives Gandra Martins Filho, Gandra pai é autor de mais de 40 livros, além de coautor em outras 150 publicações e mais de 800 estudos em diversas áreas. Em 2015, lançou a edição “Poesia Completa”, coletânea que reúne seus 12 livros de poesias em 750 páginas.

Irmão do famoso pianista e maestro João Carlos Martins, Gandra nos revela ainda outras curiosidades: foi um dos primeiros faixas-preta em karatê no Brasil, além de ter sido boxeador, piloto de avião, maestro e autor de peças teatrais. Para completar, é um apaixonado por futebol, torcedor roxo do São Paulo, time do qual também é conselheiro vitalício. Confira a entrevista: (Agradecemos aos nossos colaboradores: Dr. Luis Gustavo Trabachini, Dr. Samuel Silva e Katia Kemos que contribuíram com o envio de perguntas).

MBNews: Muito se discute se a presidente Dilma sabia ou não, se teve culpa ou dolo (intenção) no caso da Petrobrás. Qual a sua opinião? Só a culpa já seria sufi ciente para o impeachment?
Gandra: Nas diversas delações premiadas, o líder de seu governo no Senado, como o principal executivo da Odebrecht, segundo os jornais, dizem que ela sabia de tudo. De resto, seria muito difícil que tendo sido presidente do Conselho da Administração da Petrobrás, Ministra de Minas e Energia no Governo Lula, presidente durante 5 anos e 4 meses do país e não soubesse do assalto à Petrobrás em bilhões e bilhões de reais. De qualquer forma, sem entrar no mérito, entendo que a culpa grave é “ato de improbidade” segundo pacifi ca jurisprudência do STJ e dos TRFs Regionais (negligência, imperícia, imprudência e omissão) e da Lei de Improbidade Administrativa. Em meu site (www.gandramartins.adv. br) encontra-se parecer em que examino estes aspectos (Lei 1079/50, acrescentada pela Lei 10.028/00 – artigo 9º e Lei 8.429/90 – artigo 11). À evidência, se a Lei de Improbidade Administrativa pune a culpa, já seria sufi ciente para o impeachment.

MBNews: Constitucionalmente é possível antecipar as eleições?
Gandra: Não. O direito adquirido é cláusula pétrea na lei suprema (artigo 5º, inciso XXXVI). As eleições só poderiam ser antecipadas na hipótese do artigo 81 da lei suprema, o que implicaria o afastamento da presidente Dilma e a renúncia do Presidente interino. Sem a renúncia deste, o artigo 81 não pode ser acionado.

MBNews: Como o senhor analisa a relação dos direitos Poder X Cidadão? O Brasil ainda tem jeito?
Grandra: O Brasil, à evidência, tem jeito, apesar do monumental fracasso da presidente Dilma e do ex presidente Lula em criarem um modelo distributivista à custa do setor produtivo nacional, aparelhando uma máquina administrativa que se esclerosou por inchaço e incompetência de seus amigos lá colocados (113.000 não concursados contra 4.000 nos EUA e 600 na Alemanha), o que arrasou de vez com a economia. O novo Governo parece estar limpando a casa e reconstruindo seus alicerces.

Haverá necessidade, todavia, de desinchar a burocracia, simplificando a legislação e reduzindo as exigências desnecessárias sobre o cidadão, que ainda é no Brasil um cidadão objeto. No dia em que formos, nós cidadãos, chamados pelos Governantes de “Excelências” e nós os chamarmos de “Senhorias”, pois a nosso serviço, estaremos melhor.

MBNews: O senhor é a favor ou contra a pena de morte?
Gandra: Sou contra. Só Deus é Senhor da vida e deve determinar a hora da morte. O pacto de São José, a que o Brasil aderiu, proíbe o aborto e a pena de morte aos países que não as tenham, que não podem voltar a tê-las e aqueles que vierem a abolir estarão proibidos de retornar (artigo 4º). E a Constituição Brasileira, no “caput” do artigo 5º, declara ser inviolável o direito à vida.

MBNews: Em 2015, o senhor lançou o Livro “Poesias completas”, muitas escritas em homenagem à D. Ruth, sua esposa. Como o senhor equilibra os compromissos e a vida pessoal?
Gandra: Saulo Ramos (advogado, jurista e ex- Ministro da Justiça) e eu, quando estudantes – ele conta o episódio no livro Código da Vida –, saíamos pelo interior declamando poesias próprias, aos fins de semana, a convite das Municipalidades. Dizíamos, então, que a advocacia seria o nosso “bico” para sustentar o poeta. Fui presidente da Academia Paulista de Letras (2005/2006). Escrevi 15 livros de poesias, 12 deles constam da edição “Poesia Completa”. Tenho uma peça teatral em redondilhas maiores, em que a unidade de tempo, de lugar e ação (5 atos – “Caçador Caçado”) foi respeitada, além de um romance sobre o período pré-revolucionário de 1963 (“Um Advogado em Brasília”). Tenho livros de história e fi losofi a publicados e pertenço também à Academia Paulista de História e Academia Brasileira de Filosofi a. Minha poesia é quase toda dedicada à minha esposa, com quem namoro há 63 anos (desde 24/12/1953) e estou casado há 58 anos (dia 31/07/1958). A poesia auxilia a viver melhor a união conjugal e familiar, sendo possível regular bem a vida profissional, cidadão e familiar. É uma questão de administrar o tempo, dando a cada uma destas dimensões pessoais mais qualidade do que quantidade de tempo.

MBNews: É verdade que o senhor fazia programa de tevê lutando karatê ?
Gandra: Realmente, fui um dos primeiros faixas-preta do Brasil (1º grau apenas). Recebi do Japão, por ter sido dos primeiros, o 3º grau honorário e seu doutor honoris causa em artes marciais pela Erich Fromm World University (Flórida). Meu nome e fotografia estarão, inclusive, no Museu do Karatê-Do de Okanawa, no Japão, onde começou a modalidade. Na época, por ser novidade no Brasil, fazíamos, os pouco praticantes, programas de exibição nas televisões. Cheguei a quebrar oito telhas superpostas, 4 tijolos empilhados e 2 madeiras de pinho juntas, de 1 polegada cada uma. Fui graduado pela Academia do Sensei Akamine, que introduziu a modalidade no Brasil. O único que quebrava tais peças com qualquer das duas mãos era eu.

MBNews: Com dois irmãos pianistas famosos, João Carlos Martins e o José Eduardo Martins, o senhor não se arriscou na música?
Gandra: Estudei piano. Eu e meus 3 irmãos estudamos música em casa. Cheguei a dar concertos em conservatórios. Compus músicas aos 17 anos, pois pertencia à Associação Brasileira de Jovens Compositores, músicas executadas em concertos organizados pela ABJC. Na missa de 100 anos de meu pai, por ter estudado harmonia e contraponto, além do piano, regia Orquestra de Baccarelli no Aleluia de Handel, transmitida ao vivo pela Rede Vida. Deixei a música, quando com 18 anos fui estudar na França e também porque a concorrência, em casa, era muito forte e eu não conseguiria nunca competir com meus irmãos, apesar de Guiomar Novaes ter dito a meu pai, ao ouvir os 3 irmãos – creio ter sido o único erro de sua vida –, que eu era o melhor dos 3. Para não desmerecer a sua avaliação, nunca mais toquei em público, assim ninguém poderia desmenti-la.

MBNews: Em recente julgamento no Supremo Tribunal Federal, os ministros autorizaram a prisão antes do trânsito em julgado da decisão, o que vai contra o princípio da presunção de inocência garantida pela Constituição Federal. O STF não deveria ser o “guardião da Constituição”? Grandra: Considero uma decisão equivocada, pois o STF incinerou, no julgamento, o artigo 53, §3º da Lei Suprema, assim disposto: Art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 35, de 2001) (…) § 3º Recebida a denúncia contra o Senador ou Deputado, por crime ocorrido após a diplomação, o Supremo Tribunal Federal dará ciência à Casa respectiva, que, por iniciativa de partido político nela representado e pelo voto da maioria de seus membros, poderá, até a decisão final, sustar o andamento da ação. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 35, de 2001) Como o crime atribuído era obstrução dos trabalhos legislativos, o Supremo teria que encaminhar a denúncia contra o Deputado Eduardo Cunha para a Câmara e não assumir o papel do Legislativo. O artigo 102 da Constituição Federal que declara ser o STF “guardião da Constituição” teve um acréscimo de competência. Lê-se, agora, “guardião e legislador supremo, quando assim entender”. Infelizmente, não é o único caso, como já escrevi no artigo “O Supremo Constituinte”, na Folha de S.Paulo.

MBNews: Como torcedor e conselheiro do São Paulo Futebol Clube, o senhor acompanhou de perto a crise do time. Como avalia essa fase dentro e fora de campo do seu time do coração?
Gandra: Sou sócio nº. 20 do SPFC desde 1943. Sou um dos 14 Cardeais. Presidi o Conselho dos Cardeais (Consultivo) de 1999 a 2004. Amo muito minha mulher, mas apesar de amores diferentes, amo o SPFC há mais tempo (1943 contra 1953). O SPFC não vai bem. Leco (atual presidente do clube) está procurando colocar a casa em ordem, mas enfrenta dificuldades financeiras e de oposição. O próprio time reflete este momento de instabilidade. Precisa, todavia, melhorar. Às vezes, paga-se um preço nesta tentativa, como vem ocorrendo.

*Entrevista publicada na Revista MBigucci News (www.mbigucci.com.br/mbigucci-news)

 

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